Ao exigir a demissão de Jeroen Dijsselbloem, e da forma perceptível com que o fez para toda a extensão da União Europeia, António Costa disse “basta” ao estereótipo, explícito ou insinuado, de maus costumes, de inferioridade e de posição de favor dos países europeus do Sul, das suas populações e das suas culturas. Não foi o único, mas foi dos primeiros e sem hesitações, a ponto de ainda ter merecido uma reacção inútil do seu congénere dos Países Baixos. Dijsselbloem será demitido, mesmo unanimemente demitido, mas, mais importante, será demitir com ele a atitude política que o define e que teve equivalentes, mais ou menos salientes em toda a Europa, e, sem qualquer dúvida, também no nosso país.
Dijsselbloem diz que é o estilo dele, mas longe disso; na verdade, ele apenas o macaqueia e é o original que tem de ser demitido. Por isso o sinal de mudança que Costa deu tem de transcender o ministro holandês, o seu último episódio e as suas caricatas justificações culturais. Há que pôr termo a esta espécie de maledicência europeia que beneficia da vantagem de correr como um boato, sem a desvantagem de ter de ser feito nas costas, a que chamamos estereótipo, e que foi durante anos o padrão de comunicação dos mesmos políticos que fizeram da austeridade uma política europeia de integração sem inclusão.
É bom não esquecer as analogias gastas dos “alunos coitadinhos que sofrem tanto para aprender” ou aquele célebre “não sermos piegas” que nem a pieguice de assumir para si o que destinava a outros alvos conseguiu evitar. Demasiado parecido com a pobre retórica do ainda presidente, mas já a prazo, do Eurogrupo, que tem de ser demitido por não se conceber a maturidade de sair pelo seu próprio pé. É bom não esquecer os moralismos e pedagogismos de pacotilha com que, durante anos, em tiradas de mediano português, foi justificado o empobrecimento abrupto da sociedade portuguesa. Por isso, para uma maioria social de portugueses esmifrados por vários anos de austeridade teria mesmo de saber a “só se perderam as que caíram no chão” ouvir palavra por palavra a desanca do seu primeiro-ministro.
É que não é só Dijsselbloem que está a ser demitido. O que António Costa fez foi algo especialmente importante para os dias que correm. Foi uma lição sobre como dispensar o populismo. Sendo imprescindível compreender a lógica do populismo e os factores que o favorecem hoje em dia, Costa mostrou, ao exigir categoricamente esta demissão, que para vencê-lo importa muito mais descalçá-lo, sacar-lhes as oportunidades e deixá-lo tão mudo como os amuados arremedos de Dijsselbloem e seus equivalentes. Isto é fazer mais contra o populismo do que uma centena de declarações atentíssimas sobre os seus perigos.
Pela primeira vez ao fim de vários anos, o paternalismo que diminui e incomoda o povo não ficou sem resposta. Não uma resposta populista, amplificadora de zangas e exclusões, que é apenas uma outra forma de nos imbecilizar, mas resposta de um representante que soube interpretar no momento certo, com as palavras certas, o sentimento dos concidadãos que representa. E este é o único caminho certo para vencer democraticamente o populismo. Saber representar o povo, um povo constituído por cidadãos adultos, com anseios e preocupações de adultos, pessoas autónomas que desejam ser representadas por outros cidadãos adultos e que os levem a sério.
Na fase em que nos encontramos, em que Theresa May e o exaltado Nigel Farage já perderam o lugar donde poderiam contestar a Europa dos Dijsselbloems, e em que para os lados da Polónia e da Hungria a credibilidade dos representantes raia o zero, é o tipo de representação de Costa que devolve a política à Europa. Decerto, com outros como Martin Schulz, que desejavelmente deve tomar o lugar de Angela Merkel na Alemanha e, mais substancialmente, afastar Schauble do centro da vida económica europeia.
Mas nada disto parece ocorrer a um incrédulo Marques Mendes que ainda há dias achava que a capa do Expresso da semana passada, colocando a possibilidade de Centeno vir a assumir o lugar de Dijsselbloem no Eurogrupo, só podia ser uma partida de 1.º de Abril. Compreende-se a incredulidade. Seria passar, como bem diz, “um enorme atestado de credibilidade à geringonça”. E no entanto é precisamente deste tipo de inflexões que a Europa precisa. No xadrez europeu, a melhor saída ainda acabará por ser a portuguesa.
(Artigo publicado no Jornal Económico, 6/04/2017, http://www.jornaleconomico.sapo.pt/noticias/a-saida-portuguesa-142936)